sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Queda dos homicídios e aumento dos roubos em SP em 2014

Crimes são fenômenos bastante estáveis quanto aos seus padrões temporais e espaciais. Homicídios sempre aumentam nas madrugadas dos finais de semana. Uma pequena parcela do território, como os centros comerciais, concentra invariavelmente uma grande quantidade de furtos. Uma porcentagem pequena de vítimas e de autores, com características epidemiológicas conhecidas, é responsável por uma quantidade desproporcional de crimes. É esta estabilidade do crime enquanto fenômeno que nos permite abordá-lo através do método científico, identificando padrões e tendências.

É dentro deste contexto que gostaria de analisar as tendências recentes de queda dos homicídios e aumento de roubos no Estado de São Paulo. Os homicídios caem em São Paulo desde 2000. Primeiro tenuamente e, depois do Estatuto do Desarmamento em 2003, de forma acentuada. Esta queda não se dá de forma linear: a desaceleração econômica em 2009 fez crescerem os crimes patrimoniais e a insegurança, levando as armas de fogo novamente para as ruas. Com mais armas em circulação, vimos um “soluço” na tendência histórica de queda, que retomou seu curso em 2010, passado o pior momento da crise. Primeira lição: os homicídios podem voltar a subir quando as pessoas sentem-se inseguras. No balanço entre custos e benefícios de andar armado, o aumento dos roubos e da insegurança faz a balança pender pelas armas, não obstante o custo elevado da punição.
Em 2012, em função de uma política desastrosa que incentivou o confronto entre policiais e o crime organizado, tivemos novamente um crescimento dos homicídios, que durou alguns meses, até a substituição por uma política menos belicosa. Tratou-se de um surto de vinganças, quando vimos ressurgir resquícios dos esquadrões da morte em São Paulo. Segunda lição: uma política de segurança equivocada, que aposta na política de “rota na rua” e na exacerbação da violência, pode interromper momentaneamente o processo de queda.

Todavia, na ausência de uma forte e abrupta desaceleração econômica ou de políticas de segurança desastradas, os efeitos conjuntos de diversos fatores virtuosos – menos armas, menos jovens, maior eficiência na alocação dos efetivos policiais, melhor investigação, melhoria da qualidade de vida da população, etc. – fizeram os homicídios retomarem em 2013 a tendência de queda iniciada em 2000.

Os roubos, por seu lado, não seguem uma tendência clara como os homicídios e tem flutuado ciclicamente acompanhando a conjuntura econômica: se acompanharmos a evolução dos roubos em oito estados para os quais existem dados disponíveis (SP, RJ, MG, RS, MS, SC, MT e GO), notamos claramente um ciclo de alta começando em setembro de 2012, atingido seu pico por volta de fevereiro de 2014 e, a partir de então, desacelerando nos últimos 10 meses. Ainda cresce, mas a taxas cada vez menores. São Paulo seguiu aproximadamente este movimento geral, mas com um agravante: a mudança na metodologia de registro de roubos em janeiro de 2014 fez aumentar a notificação de roubos, inflacionando assim o ritmo do crescimento no Estado. Este impacto deve ser atenuado em janeiro, quando a nova metodologia completará 12 meses e deixara de influenciar a estatística, que é geralmente calculada com relação ao mesmo mês do ano anterior. Uma tendência mais realista pode ser obtida olhando para os roubos de veículos, que são pouco afetados pelo problema da notificação: este indicador desacelera desde novembro de 2013 e passou a cair nos últimos 7 meses.

Terceira lição: é possível sim reduzir a criminalidade com uma boa estratégia, como fizemos com os homicídios. Mas porque apenas os homicídios têm caído desta maneira e não os demais crimes patrimoniais? Os criminólogos sabem que boa parte dos homicídios são crimes interpessoais, onde nem sempre autores nem vítimas são ligados ao mundo do crime. Assim, reduzindo fatores criminógenos, como armas, era provável que observássemos uma melhora.

Os roubos são crimes de oportunidade e seguem outra dinâmica e para diminuí-los é preciso adotar outras estratégias. Este é o grande desafio para os órgãos de segurança de São Paulo que, quando incentivados, respondem à altura.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Debate sobre a pena de morte atrasa solução para a falta de segurança

21-01-2015


A execução do traficante brasileiro Marco Archer na Indonésia fez voltar ao debate a velha questão da pena de morte e seus efeitos sobre a segurança pública. Nas mídias sociais, diversas pessoas manifestaram-se a favor da medida, criticando o governo federal por tentar interceder em favor do brasileiro. Escrevi um artigo sobre o tema nos anos 1990 e, aproveitando o ensejo, volto aqui a elencar alguns dos principais argumentos factuais contra a medida (deixando de lado os argumentos morais, religiosos, legais e filosóficos).

1 – Ineficácia da pena de morte para a redução da criminalidade

A pergunta que deve ser feita é: Nos países em que a pena de morte foi introduzida houve algum efeito em relação à criminalidade? A conclusão generalizada das pesquisas em âmbito internacional é não haver indícios claros de que a abolição da pena de morte tenha provocado um aumento da taxa de homicídio ou, naqueles países em que ela foi reintroduzida, haja ocorrido uma queda nesta taxa. Não há igualmente nenhuma indicação clara nas pesquisas que a ameaça da execução seja mais eficaz do que a ameaça de punição de prisão imediata.

Em função da pena de morte ter sido suspensa pela Suprema Corte e posteriormente reintroduzida em diversos Estados, o caso norte-americano é extremamente rico em exemplos. Depois de décadas de análise, o Conselho Nacional de Pesquisa afirmou mais uma vez, em estudo de 2012 (1), que as pesquisas são inconclusivas sobre os efeitos da pena de morte – ou de sua ausência – nas taxas de homicídios.

2 – Pena de morte é exceção e não a regra entre os países desenvolvidos

A escolha dos EUA como ponto de referência para uma discussão sobre a conveniência ou não da pena de morte obscurece pontos importantes do debate, uma vez que o “caso americano” é antes excepcional do que exemplar.

Com efeito, se fizermos uma análise comparativa entre 159 países do mundo, contrastando-os segundo a adoção ou não da pena de morte – parcial ou totalmente – e levando-se em conta ainda sua aplicação efetiva ou não, verificaremos que os países que incluem a pena de morte na legislação e a aplicam de fato formam um grupo bastante específico: regra geral são os países onde vigoram as piores condições econômicas e sociais do mundo, bem como os mais baixos níveis de liberdade política.

A comparação, em itens diversos, entre estes quatro grupos de países revela-nos o seguinte quadro:

a) do ponto de vista do montante e da distribuição da riqueza, os países que adotam a pena de morte são mais pobres e mais concentradores, em média, do que os demais países. Quando olhamos, por outro lado, para os países mais pobres do mundo, a situação se inverte diametralmente: quase todos eles mantêm a pena capital em sua legislação (19 em 20) e 17 dos 20 a aplicam de fato.

b) Além disso, os países que adotam a pena de morte são também os que apresentam as piores condições de vida para suas populações: cruzando as informações sobre as diferentes formas de existência da pena com as informações do Índice de Desenvolvimento do país – indicador construído pelo PNUD, cuja descrição encontra-se no apêndice – observamos que, dos 90 estados que utilizam a pena capital, 44 têm baixo nível de desenvolvimento humano, enquanto 18 dos 36 países que não incluem a pena na lei encontram-se nas categorias de mais elevado IDH. Além disso, 69,8% dos países com baixo IDH adotam esse tipo de pena. A esperança de vida nos países que adotam a pena de morte é de 60,9 anos, quase dez anos abaixo da esperança média de vida dos países que não a possuem; o gasto público em saúde, por sua vez, é quase três vezes maior nestes últimos do que nos primeiros.

c) Fenômenos semelhantes podem ser observados quando avaliamos os países segundo algumas escalas – ainda que imperfeitas – que mensuram liberdade política, democracia e proteção aos direitos humanos no interior das sociedades. O nível de liberdade política – medido tanto pelo índice de Liberdade Humana de Charles Humana quanto pelo índice de Democracia de Tatu Vanhanen - vai caindo paulatinamente, conforme se passa do primeiro ao quarto grupo. As diferenças aqui parecem ser mais pronunciadas do que nos demais itens.

Por qualquer critério que se os avalie – econômico, social ou político – os países que ainda adotam a pena de morte estão entre os mais atrasados do mundo, com as notáveis exceções dos EUA e Japão, precisamente as nações tidas entre as mais adiantadas. A presença destas nações no rol dos países que a adotam obscurece o fato de que os países mais civilizados parecem ter chegado à conclusão de que sua introdução é inócua, contraproducente ou ainda eticamente reprovável. Adotá-la novamente no país seria andar na contramão da história.

3 – Se matar criminosos fosse eficaz a criminalidade brasileira seria menor que a sueca

De nada tem adiantado as seis mortes diárias em confronto produzidas pelas polícias brasileiras, rompendo recordes internacionais na área, segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Há poucos países no mundo em que tantos criminosos e suspeitos sejam mortos sem processo. Ou em que a morte de condenados pela justiça tenha sido tão banalizada como nas prisões brasileiras. A criminalidade continua impávida e firme apesar da elevada letalidade de suspeitos e de policiais no Brasil.

4 – Custos da implementação da pena de morte

Outro argumento que frequentemente se levanta em favor da adoção da pena de morte é aquele referente ao alto custo, para a sociedade, em se manter um condenado por um longo período no sistema penitenciário, sendo, portanto mais econômico sentenciá-lo à morte. O argumento é falso. Calcula-se hoje que o custo médio de um processo de condenação à morte nos Estados Unidos é superior ao custo de uma prisão perpétua.

O elevado custo da adoção da pena de morte deve-se a irreversibilidade da pena. Um processo que objetiva eliminar a vida do réu deve ser obrigatoriamente recoberto com diversas garantias que visem diminuir a possibilidade de erro. Pressupõe um alto grau de especialização dos profissionais envolvidos nas investigações e desenrolar do processo judicial, uma polícia cientificamente habilitada, a duplicação de atividades visando aumentar a segurança das decisões e a existência de diversas instâncias judiciais, para que erros possam ser corrigidos.

Segundo a Anistia Internacional, os processos dos indivíduos executados nos EUA em 1990 duraram em média 7 anos e 11 meses O custo de um processo como esse, somado ao um período jamais inferior a 8 anos e em alguns casos chegando aos 15 anos, é invariavelmente superior aos gastos que se tem com um preso por mais longo que seja o seu período de reclusão.

5 – Congestionamento do Sistema Judiciário

O congestionamento do sistema judiciário é outra questão que deve ser levada em conta quando se debate a pena de morte. Os crimes que têm como possível punição a morte do réu representam um percentual pequeno no espectro da criminalidade, mas ocupam grande parte do tempo das autoridades judiciais. A Suprema Corte do Estado da Califórnia (primeira instância judicial deste Estado) utiliza 50% do seu tempo apenas julgando casos de pena de morte.

Esta situação que é, em maior ou menor grau, semelhante à de países que adotam a pena de morte, provoca uma diminuição ou retardamento da capacidade punitiva do Estado, o que sem dúvida alguma prejudica o efetivo combate à criminalidade. Não é apenas o Poder Judiciário que desperdiça grande parte de seu tempo e energia com a questão da pena de morte. O governador da Flórida, por exemplo, perde de 7% a 9% de seu tempo revendo casos de pena de morte (The National Law Journal, 16 Julho de 1984)

6 – Discriminação na aplicação da pena

A pena de morte é instrumento de discriminação social, tal como ocorre hoje com as prisões e averiguações pela polícia nas ruas das metrópoles, onde prevalecem os preconceitos de raça, cor e classe social.

Pesquisa desenvolvida na Universidade de Iowa, em 1981, sob a coordenação do Dr. Denid Baldus, analisou mais de 1.000 julgamentos por homicídios e 253 condenações à morte nos Estados do Sul dos Estados Unidos. Com maior frequência, punem-se negros com a pena de morte pelo assassinato de brancos, do que qualquer outro tipo de combinação entre a cor do acusado e a cor da vítima.

A pesquisa concluiu que o desfecho processual é função de uma série de circunstâncias que turvam a imparcialidade do processo e do correspondente julgamento. Entre essas circunstâncias, elencaram-se: natureza do crime, reação da comunidade e da imprensa, identidade da vítima e do acusado, papel desempenhado pela família da vítima e do acusado, perfil político-ideológico do promotor e do juiz, além da habilidade do advogado de defesa. Assim, observou-se que quatro em cada cinco condenados haviam sido defendidos por advogados nomeados pelo Estado, sem experiência anterior com processos dessa natureza.

A disparidade entre estes números provoca a seguinte dúvida: quais os critérios levados em conta na decisão sobre a vida e a morte de um réu? Não seria injusto afirmar que primam nestas decisões critérios arbitrários e totalmente exteriores ao próprio crime. Citaríamos, entre outros, os seguintes:

a) a cor do réu e de sua vítima. Nos últimos 17 anos, 85% dos executados tiveram como vítimas pessoas brancas, sendo que quase 50% das vítimas de homicídios são negros. Também neste período nenhum réu branco foi executado pelo homicídio de um negro;

b) a composição do júri. O impacto do crime na comunidade provocará uma série de manifestações tendentes a pressionar os jurados, o que pode gerar uma decisão incompatível com os requisitos de imparcialidade e racionalidade da legislação;

c) deficiência mental. Calcula-se hoje que entre 10% e 30% dos que aguardam no corredor da morte são portadores de deficiências mentais graves. Esta situação é extremamente preocupante uma vez que há diversos indícios que muitos destes indivíduos são envolvidos por policiais e promotores declarando crimes que jamais cometeram;

d) condição financeira do réu. De acordo com as constatações da Americam Bar Association (equivalente à Ordem dos Advogados do Brasil), a grande maioria dos condenados a morte, em função de suas limitadas condições financeiras, foram representados perante os tribunais por jovens inexperientes ou antigos e incompetentes advogados.

7 – Possibilidade de erro e irreversibilidade da pena

Se nos Estados Unidos, neste século, cerca de 140 pessoas foram condenadas à morte por engano, dentre as quais 23 foram executadas, o que esperar do sistema policial-judicial-prisional brasileiro, cujas características marcantes são a arbitrariedade, a morosidade, o emperramento burocrático, a superlotação, e, porque não dizer, a corrupção, tantas vezes denunciada e parte integrante da nossa realidade? No Brasil, o último cidadão condenado à pena de morte, acusado de haver cometido um crime em Macaé (Rio de Janeiro), foi executado em 1855. Hoje, essa execução é reconhecida como erro judiciário.

Conclusões

Quando a população clama por vingança, está reagindo de modo emocional a uma carência concreta – a falta de segurança pública. A questão do desempenho das nossas polícias e da Justiça não têm sido tópicos de um amplo debate. É essencial que se comece a discutir critérios de eficácia das polícias, da justiça e do sistema penitenciário. Esta mudança exige da sociedade uma reflexão profunda sobre o que ela efetivamente deseja, exige um diagnóstico do problema, exige que a razão prevaleça. A defesa da pena de morte tem o dom de obscurecer os dados do problema da criminalidade.

(1)

​ ​

D. Nagin and J. Pepper, “Deterrence and the Death Penalty,” Committee on Law and Justice at the National Research Council, April 2012; D. Vergano, “NRC: Death penalty effect research ‘fundamentally flawed’,” USA Today, April 18, 2012.

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